Naquele Starbucks, perto de Karlsplatz na magnífica Viena de fim de Janeiro, às 22:37 da noite, fez-se um clique cá dentro, que me revelou que há lutos que não passam, que apenas se refastelam cá dentro e que me cabia a mim preencher o espaço em sua volta com novas memórias para que eles não fossem tudo o que tinha...
Quando acabei de escrever o texto, pousei a caneta e li-o em voz alta, traduzido para inglês, obviamente, à Kris cujos olhos se humedeceram e que se limitou a sorrir, sem mais um comentário, sem uma palavra, nada... passaram-se quase 2 horas, passaram duas linhas de metro, passaram os ruídos feios e estranho e frios do alemão pelos nossos ouvidos inúmeras vezes, até que ela me olhou nos olhos e dissesse "It's marvellous, I can't find another word. I don't know how you did it, but the way she feels, is the way I felt when he broke up with me... pure and simple."
Este foi o primeiro texto que eu escrevi em que senti directamente o impacto dele, às tantas porque pela primeira vez o mostrei e observei a reacção do leitor no exacto momento em que a obra se tornou arte, ou às tantas porque foi efectivamente a pequena porção do Grande Livro da Arte que me foi possível experienciar e retransmitir, e nunca mais lhe terei acesso... Não sei... Mas se um só texto meu, tiver o efeito que este teve na Kristina em algum de vocês, sentirei que valeu a pena toda a tentativa menor de lá chegar.
Após tão longa introdução, aqui segue o dito cujo:
"Os olhos dela cuspiam lágrimas ao ritmo dos batimentos da tarola, não porque a situação fosse particularmente triste... essencialmente porque a fez sentir-se menos ele. Só. Finalmente só, como se de um poema de António Nobre se tratasse.
Saiu para a rua, o vento frio pediu-lhe o casaco, mas ela não queria voltar àquele bar. Não mais. Nunca mais. Correu para o primeiro táxi que encontrou e atirou um qualquer endereço para o meio do silêncio. Não lhe importava o destino desde que fosse para longe dali.
O motorista tentou fazer conversa de ocasião, mas de tão embrenhada em pena própria recusou-se inconscientemente a ouvi-lo. Estúpido instinto mesquinho que não nos permite perdermo-nos nas pequenas coisas quando é isso precisamente que nos faz falta.
O carro imobilizou-se. Preparava-se para sair quando reparou que era apenas um sinal vermelho. Mudou de ideias: "Para a autoestrada." "Como?" "Para a autoestrada, leve-me para..." Outro sítio, outro mundo, as mesmas ideias na cabeça como num bloqueio mental. Uma espiral infinita e caleidoscópica que nos cativa no seu psicadelismo desesperado e caótico. Mentalmente drogada, a precisar da próxima dose de desespero. Porque raio nos sentimos tão bem a sentirmo-nos mal?
Surpreendido o taxista acedeu ao pedido sem mais perguntas. Anos a lidar futilmente com tanta gente ensinaram-no a classificar e dividir, e esta rapariga inseria-se com absoluta e fria certeza nos não questionáveis. Pessoas taciturnas e estranhas que não ouvem os seus próprios gritos de ajuda. Levou-a.
Ainda não ciente do que tinha acabado de fazer abriu a janela. O vento no seu rosto molhado fê-la sentir-se bem momentaneamente. Livre. Viva. Numa fracção de segundos decidiu que não iria sentir-se escura e triste. Aquele era um novo começo, a sua vida mudava naquele ponto e ela adaptar-se-ia a essa brilhante e necessária mudança. Ele não merecia a sua dor, era egoísta demais. Porque não haveria ela de o ser também? NÃO. Ela não era assim e sabia-o. Amanhã estaria de novo a chorar enquanto a imagem dele se cravaria ainda mais na sua mente.
"Mude o rádio" "Claro...Que quer ouvir?" "Jazz... quero jazz." "Certo. Dê-me dois segundos.". Os seus dedos escorregaram sobre o painel até ao rádio desligado. Puxou para o início do cd. À entrada do piano arrepiou-se quando a ouviu dizer "Sim, McCoy Tyner...deixe aí." 20 segundos passados e os divinos e roucos roncos apresentaram-lhe Coltrane.
Deixou-se perder na música. O desespero cantava em uníssono com o saxofone, e, neste momento era tudo o que ela precisava."
Saiu para a rua, o vento frio pediu-lhe o casaco, mas ela não queria voltar àquele bar. Não mais. Nunca mais. Correu para o primeiro táxi que encontrou e atirou um qualquer endereço para o meio do silêncio. Não lhe importava o destino desde que fosse para longe dali.
O motorista tentou fazer conversa de ocasião, mas de tão embrenhada em pena própria recusou-se inconscientemente a ouvi-lo. Estúpido instinto mesquinho que não nos permite perdermo-nos nas pequenas coisas quando é isso precisamente que nos faz falta.
O carro imobilizou-se. Preparava-se para sair quando reparou que era apenas um sinal vermelho. Mudou de ideias: "Para a autoestrada." "Como?" "Para a autoestrada, leve-me para..." Outro sítio, outro mundo, as mesmas ideias na cabeça como num bloqueio mental. Uma espiral infinita e caleidoscópica que nos cativa no seu psicadelismo desesperado e caótico. Mentalmente drogada, a precisar da próxima dose de desespero. Porque raio nos sentimos tão bem a sentirmo-nos mal?
Surpreendido o taxista acedeu ao pedido sem mais perguntas. Anos a lidar futilmente com tanta gente ensinaram-no a classificar e dividir, e esta rapariga inseria-se com absoluta e fria certeza nos não questionáveis. Pessoas taciturnas e estranhas que não ouvem os seus próprios gritos de ajuda. Levou-a.
Ainda não ciente do que tinha acabado de fazer abriu a janela. O vento no seu rosto molhado fê-la sentir-se bem momentaneamente. Livre. Viva. Numa fracção de segundos decidiu que não iria sentir-se escura e triste. Aquele era um novo começo, a sua vida mudava naquele ponto e ela adaptar-se-ia a essa brilhante e necessária mudança. Ele não merecia a sua dor, era egoísta demais. Porque não haveria ela de o ser também? NÃO. Ela não era assim e sabia-o. Amanhã estaria de novo a chorar enquanto a imagem dele se cravaria ainda mais na sua mente.
"Mude o rádio" "Claro...Que quer ouvir?" "Jazz... quero jazz." "Certo. Dê-me dois segundos.". Os seus dedos escorregaram sobre o painel até ao rádio desligado. Puxou para o início do cd. À entrada do piano arrepiou-se quando a ouviu dizer "Sim, McCoy Tyner...deixe aí." 20 segundos passados e os divinos e roucos roncos apresentaram-lhe Coltrane.
Deixou-se perder na música. O desespero cantava em uníssono com o saxofone, e, neste momento era tudo o que ela precisava."
Sinto-me só neste espaço de comentários,lol.
ResponderEliminarTa very fucking nice
Mas tás a precisar de algo mais alegre, porque não escrever sobre as eleições do benfica? sempre é mais cómico =)
Agora a sério, é muito bom
Fá Fá Fá...tinha que vir a piada...
ResponderEliminarTirando a parte triste de mencionar o Glorioso concordo com o canário sem asas, tens que canalizar essa tua capacidade pa coisas menos depressivas.