sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Zakopane pt.4

Retomei a caminhada tentando motivar-me perdido em canções dos Kinks e ensava no quão fantásticos haviam sido os meus tempos com o Simon nas 3 semanas que ele passara comigo em Viena.
"Janado do caraças.", ria-me eu, recordando aqueles olhos minúsculos e o cabelo sempre colado à cabeça, a voz monótona sem nunca se exaltar nem sequer soltar uma gargalhada, rindo-se sempre baixinho e dizendo "E apesar de tudo invejo-vos latinos por conseguirem ganhar as pessoas tão facilmente.". Pessoalmente nunca percebera quem tinha ganho quem, se o Simon a mim, se eu a ele. Sei apenas que quando o conheci me sentira intimidado pela impessoalidade germânica dele, enquanto ele não gostava nada dos meus modos mais calorosos e abertos. Mas, de repente, sem nada o fazer prever, à bendita e clara luz dumas
Wieselburgers e dum dj set do senhor Peter Kruder entendemo-nos perfeitamente e ganháramos uma cumplicidade inacreditável.
Agora, no meio das florestas do Sul da Polónia, e longe do conforto industrial e negro do Flex, o realismo começava a entrar-me pelos poros abertos com o suor e a invadir-me o espírito, "O búlgaro tinha razão pá. O caraças do búlgaro tinha razão, estás aqui no meio do nada, sozinho à procura de algo quase impossível de encontrar", e, logo a seguir como que expelindo-o o cinzentismo: "Quase impossível!! QUASE! QUASE! QUASE! QUASE!" chegando ao ponto em que o pensamento passara da voz alta e daí a berro, acompanhado de um punho erguido estúpido isolado mas demonstrador do quão desesperado estava e do quanto precisava de me convencer de que não estava a andar para nada, por mais perdido que estivesse.
E eis que nesse momento em que estava sobre a corda bamba, num vai não vai de esperança, um milagre aconteceu, de repente um grito em polaco chegou-me aos ouvidos, corri para fora do arvoredo, feito tolo em direcção ao vale florido, onde seria mais fácil ver e ser visto. Com a pressa tropecei numa raíz, voando dois metros e espalhando-me ao comprido na relva, levantando em meu redor uma nuvem gigantesca de pólen que subiu no ar, cumprimentando-me como Deus criador das futuras flores deste vale, e pensei no quão aleatória era a criação. Como se o Acaso esperasse por mim para iniciar o processo de fecundação neste vale, levando agora o amarelo início de vida na brisa.
As gargalhadas gigantescas estalaram ruidosas mas doces e profundamente humanas, desviando-me a atenção da minha reflexão quiçá parva. Olhei-a enquanto me aproximava, devia ter uns 50/60 anos, envolta na sua saia verde escura e a camisola negra. grande, larga, cabelo contrastando entre o negro e o grisalho, olhos daquele azul inexpressivo de tão claro. Ao ver-me aproximar o riso diminuiu, mas o sorriso manteve-se, demonstrando serenidade, calma, e simpatia perante o meu aspecto deslavado e da minha cara agora amarela do pólen.
"Do you speak english?" sonhei eu...

"Niet" disse num sorriso enorme de quem me entendera como turista perdido, (e de resto o que era eu?).
"Français?Deutsch?Español?Português?"
"Niet, niet" e o sorriso cresceu, "Russky?"
"Niet" disse eu agora quase rindo.
Levantou oito dedos e disse algumas palavras perdidas novamente no meio das suas gargalhadas sonoras e boas, como quem diz: "8 línguas diferentes, 8 meu Deus, 8 línguas e não há forma de nos entendermos."
Acenei com a cabeça e encolhi os ombros. Ficámos parados a olhar um para o outro por uns segundos, até que me lembrei que tinha papel na mochila, saquei da caneta (nova gargalhada quando viu as garrafas, ao que lhe ofereci e me recusou com um sorriso sincero).
Escrevi "João" e apontei para mim, feito parvo arranhei o pouco alemão que sabia, como se este lhe fosse mais próximo... "Ich bin João."
"Ju-a-u?"
"Jo-ão, João" disse lentamente.
"Ju-a-um?" perguntou.
"Ja ja, und dir?" perguntei apontando para ela.
"Anja."
"Anja..." repeti, unindo as palmas e curvando-me numa vénia quase teatral.
Perguntou-me algo que não compreendi, mas que deduzi que fosse a minha origem:
"Portugal" disse com sotaque inglês, a sua cara foi de estranheza, "Por-tu-gal" repeti lembrando-me a diferença do "tch" e do "t".
"Ahh Portugal..." parou a pensar uns segundos "Simon? Simon freunde?"
"Ja Ja JA JA SIMON FREUNDE JA... UIIIIIIIIIIII" Saltei eu de alegria, "Simon sehr gut freunde uh ja, genau genau, um amigalhaço sim senhora" explodi eu abraçando-a, ao que ela respondia com mais gargalhadas, achando-me maluco. Recuei, vi-a sorrir-me e fazer-me sinal para que a seguisse, pedido a que atendi prontamente, correndo em torno dela e gritando "Obrigado An
ja, Obrigado é merci" e ria-me feito tolo, fazendo-a rir-se da minha tolice, percebendo a inocência nela contida...

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A ouvir:

"Alive"

Sa Ding Ding

álbum: Alive

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