terça-feira, 8 de setembro de 2009

E porque a saga de Zakopane ainda não está perto do fim, deixo-vos com uma brincadeira de hoje:



"Bom dia" sorriram os seus olhos quando os meus se abriram.

"Oi pequena" a minha voz ensonada abria os panos daquele início de manhã, o Sol a bater no chão de madeira lá ao fundo deixando atrás de si um rasto de um branco amarelado intenso, luz, luz, luz, luz, luz... Imensa luz brilhante e nova que reflectia em todo o quarto até bater nos seus caracóis grandes fazendo-os quase louros.

Pisquei os olhos, espreguicei-me num bocejo para não a incomodar, e estiquei o meu corpo numa posição de prancha para não desprover os nossos corpos nus dos lençóis que os cobriam.

"Estás acordada há muito?"

"Não..."

"Estás a ver-me há muito?"

"Há algum tempo, sim."

"Observar-me então custa-te mais que estar acordada?" gracejei.

"É novo para mim, envolve esforço, envolve respeitar cada respiração tua, envolve não te ter a falar comigo, ter-te silencioso é quase uma nova experiência sabes?"

"Estás a queixar-te?"

"Não, nem me passaria pela cabeça tal... estou apenas a dizê-lo para que compreendas que tudo isto é novo para mim. Bom, sim, sem dúvida, mas novo ainda assim. Não sou tão experiente nestas coisas como tu..."

"E recomeças?Já te disse que isso são balelas, não sou experiente, não contigo, nunca contigo."

Os seus olhos reduziram-se a frestas felinas, o seu sorriso abriu-se numa boca já larga de lábios extremamente finos, delicados, bonitos. Apanhara-me na sua própria brincadeira, num jogo de que eu era mestre... "Psicologia invertida... que treta." ri-me.

Passei a minha mão por cima dos ombros dela como num abraço, e virei-me sobre ela, prendendo-a entre os meus joelhos libertei os meus braços e fiz-lhe cócegas na cinta, fazendo-a contorcer-se sob mim, mais e mais e mais, até culminarmos num beijo. Apaixonado, grande de tão pequeno, o mais próximo do eterno que alguma vez estive...

Levantei-me. "Onde vais?" "Volto já pequena." "Hmmmmmm" soltou ela num gemido lânguido e preguiçoso e querido que englobava toda aquela manhã numa única onomatopeia, com o braço puxou os lençóis para cima de si e deitou-me um "estás a olhar para onde parvo? Vê lá, vê.." que me deixou aparvalhado sem saber o que dizer. Ri-me, nessa tentativa de escapatória de quem não sabe mais o que dizer, e abri a porta de madeira escura na minha frente entrando na casa de banho.

A luz reflectia nos azulejos claros pela janela minúscula por cima da sanita, espreitei para os campos lá fora, onde o trigo ia já alto avisando que o Verão estava já quase a acabar.

Lavei a cara, passei as mãos pelo cabelo, ajeitei as boxers mal vestidas, lavei os dentes, e voltei para junto de ti: "Vamos dar uma volta? Aproveitar o Alentejo?". Ficaste calada... Abanei-te um pouco, gemeste outra vez e disseste-me "Volta para a cama, temos mais que tempo."

E eu acreditei em ti, e voltei, sempre quis ter tempo com alguém assim do lado, e nunca o tinha querido tanto como agora, como contigo. Enrolei-me nos lençóis, pousaste a cabeça no meu peito e adormeceste mais um pouco... A paz do teu rosto, entre olhos fechados e o rosto tapado pela tua juba enorme era tudo o que eu precisava, agradeci-te, e perdi-me no sonho contigo...


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A ouvir:


"Stay where you are"


Ambulance LTD


álbum: Ambulance LTD


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Zakopane pt.5

Demoráramos no caminho já cerca de um quarto de hora, perdidos numa conversa composta por vocábulos lentos de duas línguas incompatíveis e imensa gesticulação, falámos de polkas e polskas, interesse meu nascido no Andanças, e mostrei-lhe o meu 1-2-3 na tentativa de aprovação por uma local. Sorriu e deu-me um braço e cantou em largos pulmões enquanto rodopiámos duas ou três vezes ao som da melhor tradição do sul da Polónia.
Os "ch's" e os "obra" e "ova" e cj" eram tão constantes que ao fim de algum tempo tudo o que a minha cabeça retinha era uma sessão contínua e quase inexpressiva deses sons. Ao subirmos o caminho rente à montanha Anja apercebeu-se da minha debilidade, embora eu me esforçasse ao máximo para a esconder e obrigou-me a parar para descansar, fingindo-se, ela própria, cansada tentando assim não me ferir o orgulho.
Disse-me "Halt" e ergueu o punho no gesto militar de paragem, e eu, na brincadeira, marchei até ela arrancando-lhe novamente as ruidosas gargalhadas que tanto me animavam.
Cá de cima via metade do caminho que havia feito desde hoje de manhã, elevei o polegar ao olho cobrindo-o e pensei "Tanto tempo para cobrires um polegar de terreno... a trigonometria é tramada, não é ti jagga?
Levantei-me de novo e fiz-lhe sinal para seguirmos, ela fez-me sinal para que me sentasse novamente, que precisava de mais descanso do que aquele. Acenei que não e dei um pulo, ao que ela acedeu ao meu pedido levantando-se e acelerando o passo o suficiente para me deixar para trás, como se me atirasse à cara que o orgulho tem limites.
A falta de oxigénio ali tão perto do Sol quente, o caminho de gravilha onde as minhas sapatilhas escorregavam de três em três passos, a minha falta de condição física e os excessos dos últimos dias, todos se uniam, personificados naquele granito cinzento à minha esquerda, que se erguia em direcção ao céu azul separando-me deste. do sítio onde estava, o topo da montanha parecia pender das poucas nuvens brancas que agora se viam, como se elas suportassem o peso do vale à nossa direita inteiramente, fazendo-os pairar sobre um qualquer mundo subterrâneo longe desta vista paradisíaca e verde polvilhada de flores e borboletas com os pássaros a entoarem permanentemente cantos em honra da beleza deste lugar.
De súbito, após uma curva na montanha, o caminho começou a descer imenso, em direcção ao que me parecia uma parede rochosa, mas como a minha guia permanecia segura, menos não podia fazer que segui-la. No fim da descida encontrei-me frente a frente com um desfiladeiro gigantesco, com paredes gigantes do mesmo granito que o topo da montanha que acompanháramos até agora. Pensei no quão pequenos ambos pareceríamos vistos lá de cima, de mais de 30 metros de altura, ao abandonar o verde colorido e a deixarmo-nos engolir pela boca das montanhas que nos desafiavam. Os nossos passos começaram a ecoar, e a dor nos meus pés aumentou consideravelmente, o cascalho crescia aqui de dimensão o que tornava bem mais difícil o apoio dos pés para alguém desabituado a estas caminhadas longas. Já Anja movia-se com uma agilidade quase felina como se fizesse aquele caminho diariamente, Ao ver a minha falta de jeito para me apoiar voltou atrás, e segredou-me algo que obviamente não entendi, percebi, no entanto pelo tom grave e pelo olhar dela que aquele lugar teria provavelmente uma qualquer mística especial, Levou o indicador aos lábios desgastados, num desnecessário sinal de silêncio e eu assenti educadamente.
40 passos à frente, quando o caminho sinuoso passou a impedir-me de ver a entrada do desfiladeiro, aproximou-se da parede direita, e ajoelhou-se, ao alcançá-la apercebi-me do pequeno altar ali presente e acompanhei-a bezendo-me frente a uma Maria vestida de branco, sinal do Sagrado naquele sítio nitidamente divino de tão paradisíaco. E ali, parado entendi que aquele sítio onde de repente me dirigi em oração àquela Santa (eu que de religioso não tenho nada) percebi, que mais do que procurar a fé, tinha sido encontrado por ela, não a Fé numa crença divina, mas a fé em mim mesmo, a fé de que qualquer que fosse o caminho que seguia, me encontraria a mim, ao encontrar verdadeiramente os outros.