segunda-feira, 15 de junho de 2009

sozinho...

A noite escura escondia-lhe o rosto que o cigarro iluminava...

Os fios de luz que a persiana deixava entrar morriam no som que lhe saía das colunas, e no brilho branco e intenso do ecrã do computador.

Perdido em não saber o que era, e em turbilhões de pensamentos que se encadeavam tão caoticamente como fumo que lhe saía da boca e que embatia no vento lá de fora, perdido na falta de rumo, e nos planos que traçara e que se tornavam inúteis agora que se sabia sozinho.

Pensava nela, no quão bela ela provavelmente lhe pareceria agora se a pudesse ver, ferrada no seu sono bom com o sorriso enorme que tanto o confortara e assustara por parecer bom demais para si.


Não tinha mais nada a perder, pouco tinha para deixar para trás, sabia que as coisas pelas quais daria a sua vida estavam irremediavelmente perdidas, fechadas num passado que tanto gostaria de mudar, inacessíveis num futuro que ele não sabia como alcançar. Apetecia-lhe calçar as sapatilhas e sair porta fora em direcção a nada. Andar por andar, perder-se no mundo, e aprender o que os seus 23 anos não lhe tinham ensinado.


A música acabara... o cigarro também... atirou-o para o telhado ao lado da sua janela, inspirou o ar fresco da noite, voltou-se e aproximou-se do portátil, e repetiu a música:


"This is the place where I don't feel alone

This is the place where I feel like home"


Correu-lhe uma lágrima, não de tristeza, e de alegria não era também certamente... Correu-lhe uma lágrima pelo hábito de se sentir assim... Com saudades de mundos aos quais nunca tinha pertencido, mesmo querendo, com saudades de mundos aos quais nunca pertenceria, mesmo tentando.

Sentou-se e tentou escrever, mas as palavras estavam de novo encerradas dentro de si. Tentou começar com as suas metáforas, ou com os seus lugares comuns, mas tudo lhe parecia pequeno aquando comparado com o potencial que vira nos quadros e esboços dela. Um Universo tão enorme que ele compreendia, mas que nunca teria talento para expressar. E para quê fazê-lo quando ela o fazia tão melhor e tão mais facilmente? Como poderia ele tentar ser tudo aquilo se ela mesmo lhe tinha mostrado (mesmo que não intencionalmente) que ele não era suficiente para tal? Quando até apenas o sorriso dela era tão maior que todo ele...

Pensou novamente na vontade de desaparecer no mundo, de pura e simplesmente de ir ao encontro do que a estrada lhe trouxesse, mas o comodismo e covardia impediam-no de o fazer, as responsabilidades que lhe tinham sido impostas esmagavam-no.


"Acaba o curso" "Arranja um emprego" "Cria uma família" "Estuda" "Sê grande" "Tu tens potencial para tanto"



"Nós podemos ser tão grandes"


Acima de todas as outras, esta frase ecoava de forma especialmente triste... Perdera-a, por culpa sua, e por culpa do seu egoísmo, e por culpa de não ter nunca conseguido ver nada do que ela lhe tentara mostrar... E perdera também aqueles que considerava como amigos, por lhe ser demasiado difícil aperceber-se de que não lhes era tão importante como achara. E no fundo sempre havia sido esse o seu problema, nunca se sentira importante em ninguém, em nada, em nenhum lugar a não ser dentro de si... E no entanto tudo ganhava uma importância tão gigante dentro dele... Como os acordes que ouvia agora e que lhe enchiam o peito e os olhos de uma mágoa que mais uma vez não conseguia expressar em palavras.


"Não sou suficientemente bom..."


E não chegou a dizer o "ainda", deu um passo atrás, fechou a janela, abriu a porta de pinho escuro do seu armário e tirou a almofada, deitou-se.


Ainda não fora hoje que ganhara a coragem para partir. Muito menos fora hoje que se apercebera que não há porta nenhuma que se feche para sempre, apesar do que se possa dizer.

Ou haverá?

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A ouvir:

"To build a home "

Cinematic Orchestra

álbum: live at the royal albert hall

vídeo (ao vivo com Grey Reverend)