terça-feira, 28 de julho de 2009

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É... A noite abraça-me a mim e à garrafa de tinto quase vazia na minha mão esquerda.

E foi aqui que o meu passado morreu. Não que eu tenha saído a ganhar com a troca, mas nesta mesma praia, com essa mesma música que me disse tanto e, que, agora me diz tanto de modo tão diferente, enterrei-o de vez. O futuro esse permanece indefinido, gigante e assustador na sua imensidão de oportunidades, de encruzilhadas, de escolhas, de pequeninos passados que construo a cada momento que passa.

Levanto-me e pego na imaginária mão da pessoa que aqui não está, ponho-lhe a mão nas costas e simulo uma mazurka na areia, pés descalços e voltas que provavelmente nunca hei-de dar com ninguém.

Apesar de sozinho sei que cada estrela lá em cima me brilha sorridente pois vê que eu finalmente entendi.

O telemóvel vibra, tiro-o do bolso e ponho a mão à frente do visor para me habituar à sua luminosidade... És tu e as tuas boas noites habituais... Olho para as estrelas e sorrio-te... perco algum tempo a escrever-te e volto a agarrar-te apesar de cá não estares, repito esta música vezes e vezes sem conta, como o fiz noutras vezes em que a vida se ria (por partilhar a minha felicidade e tolice? Por partilhar o meu medo e nervosismo? Por ser sarcástica e por saber que tal felicidade não duraria muito? Não vou perder tempo a pensar nisso).

Sinto a sua esguia face branca a observar-me e juro que senti que a Lua me deu uma palmada no ombro...


Queria ligar-te e cantar-te:

"Let's get lost, me and you

An Ocean and a Rock is nothing to me"

Não o faço... Guardo isto para mim, com medo de te assustar, de te afugentar, de seja o que for...


O telemóvel vibra novamente e ganho a noção que te tenho no meu bolso direito gritando-me "Estou aqui tira-me de uma vez para dançarmos"...

Com medo que seja o álcool a falar mais alto respondo-te apenas com um "bons sonhos pequena". Dou uns passos em direcção ao mar e deixo-o acariciar-me os pés, a água fria lava-me a ferida no dedo grande e faz-me cócegas nessa brincadeira inocente entre o meu estado de espírito e a Natureza. Solto um riso abafado, por não querer perturbar o silêncio do manto negro que se ergue sobre a minha cabeça.

Volto à garrafa, dou um golo e dois e três e quatro até a esvaziar, sinto o vinho a passar-me a garganta e a aquecer-me o estômago roubando-me a atenção do meu coração por uns segundos... E tudo isto me faz sentir bem, e grande, e criativo.

Tu fazes-me sentir criativo, vês? Apesar da pouca importância que cismo que tens (mas tens-na, mesmo que pouca) fazes-me sentir criativo, e não é propriamente por estar à espera de mais do que isto, nem por saber que o teu sorriso me alegra tanto, ou por adorar a forma como o teu cabelo esvoaça quando andas, ou por gostar da forma como tentas olhar-me nos olhos com esse teu castanho tão expressivo para quem nele procure expressão, ou por sentir que nos entendemos bem apesar de tão diferentes. Fazes-me sentir criativo porque te sei aqui, quando sinto as sacudidelas no meu bolso.

Decido que está na hora de ir para casa... levo as sapatilhas na mão, quero sentir o asfalto ainda quente do dia nos pés, e os paralelos irregulares que me massajam lá à frente, e o tijolo na entrada da minha casa a cumprimentar-me. Vejo o gato da minha vizinha e páro para lhe afagar a cabeça... Lembro-me da tua aversão a gatos e sorrio contente...


Ao chegar ao meu quarto depois de ter escrevinhado qualquer coisa no meu bloco ainda ouço a Lisa Hannigan a cantarolar-me:

"An Ocean and a Rock is nothing to me"

Efectivamente não são, são apenas formas de canalizar memórias, as já criadas e as que ainda criarei...


"Let's get lost, me and you"


Foi ali na praia que o meu passado morreu. O luto está cumprido. O presente apenas a mim pertence.


A mim, e a ti, ainda fechada no bolso dos meus calções molhados...

Bons sonhos pequena...


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A ouvir:


Ocean and a Rock


Lisa Hannigan


álbum: Sea Sew


link




P.S. (Sim, eu sei que a Lisa diz "An Ocean and a Rock is nothing to me" no sentido da distância não representar, para ela afastamento entre duas pessoas. Sim, sei que estou a deturpar o sentido da frase quando faço de conta que o oceano e a rocha não significam fonte de inspiração. Sei que é parvo estar a escrever isto aqui já que practicamente ninguém lê o blog, e os poucos que lêem saberão que deturpei o sentido da frase intencionalmente, e não por lapso, mas de qualquer forma fica aqui a adenda feita)