segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Zakopane pt.3

No jogo do toca e foge entre o Sol e a àrvore que me servira de encosto durante a noite, a luz acabara por vencer o caminho até à minha cara, acordando-me para o mato que me rodeava.

Olhei para a clareira à minha frente procurando amoras ou mirtilos nos arbustos, e fui surpreendido por uma trepadeira que abraçava um carvalho, carregada de frutos vermelhos que pareciam maçãs em miniaturas. Observei as que estavam mais altas e que estavam debicadas pelos pássaros, decidindo-me a comê-las.

Tinham um sabor amargo, mas a consistência era semelhante a uma pera, embora menos sumarenta.

Recolhi algumas para um saco de papel, abri a pasta e troquei-as pelo telemóvel que me apontou as 11 horas seguidas que dormira.

"E cansado estava" disse em voz alta "Vamos é beber uma jeca para aliviar a dor de cabeça matinal." ganhara este hábito de falar sozinho em voz alta para ter a certeza dos sons do m

eu português. Como que para me convencer que o meu país estava ali dentro do meu cérebro e que não me abandonara. Tentava assim evitar que os meus pensamentos fugissem para o inglês, ou para o francês mal amanhado, ou ainda para o meu portuñol (versão pr´pria dum galego que não conhecia tão bem como isso), e, assim, manter o meu pedacinho rectangular junto ao mar na memória.

Caminhei os 15 metros que me separavam do rio para redescobrir as garrafas que lá havia posto no dia anterior, geladas pela àgua que descongelava das montanhas ali perto, ao alcance dos meus olhos. Dei um mergulho rápido, sentei-me na margem, tirei o isqueiro do bolso das minhas calças estendidas na relva da margem, abri a Lech e saboreei cada golo como se fosse ambrosia divina a escorrer-me pelas goelas.

Há cerca de três dias que não comia uma refeição digna do nome e, algo me dizia que não o faria tão cedo, mas sentira-me bem até há noite anterior, de embriaguez em embriaguez atirara no meu pensamento, a fome que sentia para a gula, mas neste momento em que essa sensação passara, o meu estômago aproveitava para apregoar as suas queixas à minha cabeça, mas tirando os projectos de maçã, "E mal os posso considerar mais que um petisco", não tinha nada por perto, pelo que tomara a decisão de beber duas cervejas de rajada para enganar o organismo. Abri a segunda, e ao fim desse segundo meio litro em jejum, já me sentia trôpego o suficiente para me perder a pensar noutros assuntos. Arrumei as minhas coisas, voltei ao rio, recolhi as garrafas cheias e vazias pondo-as na minha mala de tiracolo, e segui em direcção à nascentedo rio, seguindo também o pensamento de

que subindo a montanha poderia ver toda a região à minha volta.

Fresco do banho e com as pernas descansadas da noite, avançava a um bom ritmo por entre as árvores, sempre paralelo ao rio, e mantive o ritmo durante um bom par de horas. talvez mais... Começara, no entanto a suar, o que significava que o álcool saía do meu organismo na mesma proporção em que as dores de estômago e de cabeça voltavam. Ia bebendo água do rio para me ir enchendo e ludibriar a fome que sentia. Tentava guardar o álcool o mais possível por não saber quanto tempo passaria sem ver gente.

De súbito, ao virar do rio, o meu maior medo concretizara-se. À minha frente, o arvoredo acabava, e, a paisagem abria-se numa planície verdejante, polvilhada pelo amarelo e rosa das flores que saltavam por entre a relva. Por mais bonita que fosse esta visão "E é-o de facto" significava também o fim da sombra, e isso assustara-me. Tentei seguir o rio com os olhos, para ver se haveria alguma floresta por perto, mas apenas um ou outro carvalho isolado me apareciam, nada que me protegesse dos mais de 30 graus do Sol polaco.

Voltar para trás também não era uma opção muito atraente, ao todo devia já ter percorrido umas 9/10 horas a pé desde o ponto onde o búlgaro me deixara. fosse como fosse também não sabia a partir daí como chegar à localidade mais próxima, pelo que decidi afastar-me do rio, e tentar subir a montanha por entre a floresta, e assim evitar o pico de calor.


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A ouvir:


"God's gonna cut you down"


Johny Cash


álbum: American V: A Hundred Highways


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