A madame Piaf:
Envolta no seu ar tímido deu dois passos em direcção ao foco, dois passos minúsculos deslumbrada pelo medo que a deixaram descentrada no foco e longe do microfone...
Lançou o seu sorriso nervoso e soluçado na direcção do público e disse "Bonne nuit", um aplauso estrondoso rompeu a solenidade daqueles momentos que o antecederam, ela olhou quase espantada em frente na sala escura, para o público não iluminado como se se visse sozinha numa sala tão imensa, e, como se as palmas fossem apenas fruto da sua imaginação.
Um, dois, três, quatro e...
Pintou a sala com a sua voz, criava o público a cada sílaba, deixando o medo para trás, e ganhando aquele espaço e a sua cor. Cantava não pela aprovação, mas sim por necessidade.
Começou a ver as caras das pessoas nas filas do fundo. E a cada cara que via soltava mais de si e fundia-se cada vez mais com o que cantava. Olhou para o guitarrista que tocava de olhos fechados, ele sentia-a tão bem, completava as suas frases não só com mestria mas como se seguisse nota após nota o pensamento dela.
Sublime...
E no camarim ficaram as brigas, e os gritos, e os maus ensaios, e a vida fora da música.
E pelo ar espalhara-se o nervosismo até se dissipar totalmente dividido por todo o público que ela própria criara.
Era ela canção... Definitivamente canção. Apesar das costas arqueadas, do ar velho, das olheiras, das cirroses, da pancada, do reumatismo, e da dor, o que ela se tornara valia a pena, e por isso mesmo cantava:
"Non, Rien De Rien..."
_________________________
A ouvir:
"La vie en rose"
Edith Piaf
Álbum: La vie en rose