sábado, 26 de setembro de 2009

Dia 2

Menos violento hoje... mais psicadélico hoje... temporalmente entre o beatnick e o punk, comportativamente (se é que tal coisa existe) aussi...
Continua a apetecer-me dar uma carga de porrada ao mundo e não tenho bem noção do porquê...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Mood update

Não escrevi nada para aqui esta semana, deixei zakopane no prego e estou sem paciência... SEM PACIÊNCIA... ZERO NICLES NAAAAAAAAAAAADA...

Para entenderem mais ou menos em que estado de espírito estou:


É mais ou menos isto...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Viena, Janeiro próximo (?)

O convite ainda que pouco perceptível foi feito, digo eu... escrevo eu... enfim... mais uma interrupção para reescrever a saga de Zakopane (algumas incoerências no texto, fruto de bebida excessiva aliada à escrita, ando a reaproveitar ideias, depois largo-as por cá). No entretanto deixo-vos com este pedacito de um texto meu que mistura o meu passado com o meu sonho futuro... Espero que gostem ;)



Acordei com o chão do quarto repleto de cervejas, e senti-me encharcado, olhei para a janela aberta e sorri à neve que cobria os telhados e terraços do quarteirão inteiro, fechei-a e fui tomar banho.

Enquanto a água do chuveiro me caía em cima e aquecia tentava recuperar da ressaca horrível que ia sentindo, lembrei-me que tinha combinado contigo, abri a cortina e olhei para o telemóvel, estava já em cima da hora, escrevi à pressa uma mensagem a dizer-te que ia chegar atrasado e tratei de me despachar.

De volta ao quarto saquei da minha t-shirt castanha, e cheirei-a para ver se estava suficientemente limpa para a vestir, o teu perfume circulava nas suas fibras e nem pensei duas vezes. Vesti as calças enormes que já mal me serviam dada a quantidade de peso que perdia dia após dia (efeito da muita bebida e pouca comida certamente, mas para quê preocupar-me com isso?) e o casaco "contestatário" castanho escuro.

Saí do apartamento, chave no bolso direito, móvel no bolso esquerdo, leitor de mp3 ligado para uma qualquer música preenchida de bombos de bateria e de uma voz gigante.

Desci as escadas à pressa, algures entre dois andares um rosto amigo sorriu-me, disse "Olá, talk to ya later bro." e continuei a correr, abri a porta escorreguei pela neve fora até ao tram e senti as primeiras gotas a cair, subi as escadas e sentei-me e estranhamente estava já encharcado outra vez, sentia a água a escorrer-me pelo pescoço até às costas e olhei em redor. Uma multidão de rostos encharcados seguiam a sua viagem, sem sorrisos, sem palavras, perdidos nos seus próprios mundos interiores, tal e qual como eu, Wahringer Strasse nunca me parecera tão longa, pensei se me compensava apanhar o metro e decidi sair em Alserstrasse correndo até Floriangasse, tinha de passar pelo Tunnel ainda, para pedir à Juliane que entregasse o trompete ao Henri.

Subi os degraus e sacudi o cabelo, e entrei. O cheirinho a café quente e as cores quentes cumprimentaram-me com um sabor a casa.

"Grussgot Juliane!"

"Grussgot"

"Wie gehts?" tentei

"Gut gut, Are you ok? You're all wet... Is it rainning that much?" e eis o recurso ao inglês fazendo-me desistir de me armar em entendido desse alemão tão particular que é o vienense...

"Guess so, anyways, Henri is coming today at midday his trumpet is in the instrument room downstairs, can you give him my key so he can open it?"

"Sure jagga, don't worry... by the way how was the jam yesterday?"

"Good, quite good I'd say, heard anything about it?"

"Nope, well Mathias liked it, but you know him, he always likes your shows."

"Yeah, he's got quite a biased opinion" ri-me

"Yep, that's true, well gotta serve the costumers, Are you going anywhere now? Do you want to eat something? Looks like you could use a breakfast."

"I'll come later, don't worry, I'm going to meet a friend now"

"Ok, see ya then!"

"See you dear."

Voltei ao frio da rua e decidi fazer o resto do caminho a pé, estava atrasado e estava, e o desvio para o tram ainda era longo pelo que me podia fazer ganhar tempo, como poderia fazer perder tempo, o risco não me parecia compensar. À medida que me deslocava para o Ring a sensação de molha voltava, olhei para cima e vi-a:

Surpreendentemente baixa, talvez a uns 5 palmos da minha cabeça, uma nuvem minúscula e negra descarregava água em mim com toda a fúria possível. Olhei em volta para os edifícios que me rodeavam, pensei nas memórias todas que me traziam, ela e os seus olhos azuis que ainda impregnavam esta cidade tantos anos depois... O seu sorriso lindo, aberto, o seu cabelo pintado, aquele nariz empinado, o facto de que ela vivera aqui durante tanto tempo, e aos anos que já nem ouvia falar dela. Senti-me como me tinha sentido naquele mês de Setembro, sozinho, escuro, triste. Pensei no que poderíamos ter sido, e em má hora o fiz... Comecei a pensar no que poderia ter sido com tantas outras, e no que nunca tinha conseguido ser, e no quão inseguro era hoje por isso, perdido na Viena cinzenta que só faz sentido para quem já lá foi triste.

Pensei no quão inconcebível seria para ti provavelmente, tudo isto, no fundo, nunca viras Viena senão com um sorriso, e gostava de ti por isso, pelas memórias que não partilhavas comigo, pelo facto de sabendo tanto de mim não fugires. Está certo que não corrias para mim, era mais que notório, mas no entanto não me afastavas, mesmo sem nunca me teres prometido nada... E lembrei-me da Elis Regina e de Ossanha traidor e sorri à ironia com jeitinho malicioso.

A chuva continuava, e eu continuava circulando de pensamento em pensamento, sempre pensara que a única forma de escrever algo de jeito seria numa cidade assim, opressiva na sua imponência, desafiante na sua beleza, cinzenta e escura na sua alegria até. Desviei ao Miles Smiles onde cumprimentei o velhote de cabelo ondulado e grisalho.

"Hey there kiddo.."

"Good morning."

"What do you want today?"

"A beer, but just give me a can, I gotta run"

"Crazy latino" gozou-me

"Cranky austrian" retorqui

"True, true, always complaining me good ol' me, 'tough you are living the good life man" Num sotaque mais escocês que vienense, que sempre me fazia rir.

"Really think so? Haven't been seeing it much that way..."

"Girl problems?"

"Bah, that comes with being a man, naaah... more like life problems... kinda feel lost..."

"You always will The meaning of life is for the Gods to know and for the humans to break their heads trying to figure it out. Well now, I just noticed your little companion." e apontou para cima da minha cabeça

"Yep... 's been following me since I left home, don't really know why..."

"Feeling blue?"

"Nah just feeling the blues... not happy blues, not sad blues, just the blues"

"There ain't no such thing as apathic blues kiddo."

"Guess not... Anyways where's that freaking beer?"

"Here you go, no runnin' man, no runnin' coz I'm a cranky old guy, man."

"So was Coltranne and he was only 37 * "

"You learn fast I see" sorriu

"Well euro and half right?"

"It's on the house, just get rid of that cloud man.See you later?"

"Bah band practice, so probably around midnight."

"Ok, bring the drummer, I like joking with the guy."

"Yep, Simon's a good guy indeed. Auf Wiedersehen"

"Adiós"

"Adeus, not Adiós. portuguese not spanish."

"Spanish, portuguese, what's the difference? All latinos, and all preferred by austrian girls..."

"Who cares about austrian girls?" ri-me e saí enquanto as suas gargalhadas ecoavam porta fora.

Abri a lata enquanto andava, e despachei-me a bebê-la... dois goles, três goles, e quatro e cinco. Dois passos, virei-a sobre mim e bebi o resto dum trago, amassei a lata e atirei-a para o caixote à minha frente, saquei um cigarro do bolso e escondi-o dentro do casaco para não se encharcar, acendi-o e protegi-o debaixo da mão quase fechada... Enquanto passava pelas montras da Josefstadter observava a nuvem por cima de mim a ganhar força... Reparava também em como todos os que passavam por mim iam também eles encharcados. passei pela Rathaus e desci até ao Volksgarten, o jardim coberto de neve estava fantástico. Peguei no móvel e liguei-te disseste-me que estavas a chegar, olhei para a paragem de tram e vi-te lá ao longe, casaco de malha cinzento top amarelo, sorriso gigante, e uma alegria gigantesca emanava de ti. Acenei-te levantando uma cobra de água que correu do meu braço para o céu e caiu escassos centímetros no chão à minha frente marcando a neve. Fiquei parado à espera que te aproximasses e à medida que te aproximas reparo que a luz em ti é diferente, por alguma razão estás mais colorida que tudo o resto à tua volta, e então reparo que ao passares a neve derrete-se, as nuvens desaparecem, as pessoas começam a falar umas com as outras, sorriem, riem, as árvores reganham as folhas em questão de segundos.

Chegas-te a mim, dou-te um beijo demorado na cara, molhando-te, mas tu pareces não te importar minimamente... Agarras a minha mão direita, com a esquerda limpo a face das gotas que ainda escorrem, a minha nuvem passa diante dos meus olhos de cinzenta a branca, de branca a Sol, e o meu Sol junta-se ao teu num único gigante que começa a subir em direcção ao céu afastando neve, nuvens, humidade, frio, cinzento, tudo...

"Vamos ao MQ." dizes-me enquanto te encostas a mim para que eu te abrace com o meu braço direito.

E o Verão imita-nos e abraça Viena a meio de Janeiro.

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A ouvir:

Florence and the Machine

"Howl"

álbum: Lungs

link


*Aos 37 John Coltranne publicou "A Love Supreme" uma das obras mais influentes do seu quarteto clássico, era a minha private joke com o dono do Miles, (do qual percebi agora, nunca soube o nome) costumava gozar e dizer que ele se tinha atrasado 10 anos em relação à pop, e ele dizia "nah... jazz just keeps you from aging as fast on the outside, you just age inside... like good'ol wine"

domingo, 13 de setembro de 2009

Desinspirado...

Não tenho tido pachorra para escrever nada de jeito, e por nenhuma razão em particular... acho que por cá o Verão morreu antes de acabar... Obrigado a todos os que me têm visto ser novo sendo velho :)

E sim o "poema" abaixo é uma treta... mas... para não dizerem que é por preguiça... tenho tentado mas... enfim:




Perdido em passos que já dei..


Sorrindo como já sorri

Não feliz, apenas habituado...


Tanta coisa em meu redor,

Novo, tudo novo, e bom

Mas...


Ah a brisa do mar traz-te...


E tu do novo és o mais velho,

E bom, mas...

Não ao meu redor.


Sorrio como já sorri,

é do hábito.


Perdido em palavras que temo

mesmo não as tendo ouvido..


Ainda, parece-me...








Sorri pequena... sorri, que se for sincero é bom.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

E porque a saga de Zakopane ainda não está perto do fim, deixo-vos com uma brincadeira de hoje:



"Bom dia" sorriram os seus olhos quando os meus se abriram.

"Oi pequena" a minha voz ensonada abria os panos daquele início de manhã, o Sol a bater no chão de madeira lá ao fundo deixando atrás de si um rasto de um branco amarelado intenso, luz, luz, luz, luz, luz... Imensa luz brilhante e nova que reflectia em todo o quarto até bater nos seus caracóis grandes fazendo-os quase louros.

Pisquei os olhos, espreguicei-me num bocejo para não a incomodar, e estiquei o meu corpo numa posição de prancha para não desprover os nossos corpos nus dos lençóis que os cobriam.

"Estás acordada há muito?"

"Não..."

"Estás a ver-me há muito?"

"Há algum tempo, sim."

"Observar-me então custa-te mais que estar acordada?" gracejei.

"É novo para mim, envolve esforço, envolve respeitar cada respiração tua, envolve não te ter a falar comigo, ter-te silencioso é quase uma nova experiência sabes?"

"Estás a queixar-te?"

"Não, nem me passaria pela cabeça tal... estou apenas a dizê-lo para que compreendas que tudo isto é novo para mim. Bom, sim, sem dúvida, mas novo ainda assim. Não sou tão experiente nestas coisas como tu..."

"E recomeças?Já te disse que isso são balelas, não sou experiente, não contigo, nunca contigo."

Os seus olhos reduziram-se a frestas felinas, o seu sorriso abriu-se numa boca já larga de lábios extremamente finos, delicados, bonitos. Apanhara-me na sua própria brincadeira, num jogo de que eu era mestre... "Psicologia invertida... que treta." ri-me.

Passei a minha mão por cima dos ombros dela como num abraço, e virei-me sobre ela, prendendo-a entre os meus joelhos libertei os meus braços e fiz-lhe cócegas na cinta, fazendo-a contorcer-se sob mim, mais e mais e mais, até culminarmos num beijo. Apaixonado, grande de tão pequeno, o mais próximo do eterno que alguma vez estive...

Levantei-me. "Onde vais?" "Volto já pequena." "Hmmmmmm" soltou ela num gemido lânguido e preguiçoso e querido que englobava toda aquela manhã numa única onomatopeia, com o braço puxou os lençóis para cima de si e deitou-me um "estás a olhar para onde parvo? Vê lá, vê.." que me deixou aparvalhado sem saber o que dizer. Ri-me, nessa tentativa de escapatória de quem não sabe mais o que dizer, e abri a porta de madeira escura na minha frente entrando na casa de banho.

A luz reflectia nos azulejos claros pela janela minúscula por cima da sanita, espreitei para os campos lá fora, onde o trigo ia já alto avisando que o Verão estava já quase a acabar.

Lavei a cara, passei as mãos pelo cabelo, ajeitei as boxers mal vestidas, lavei os dentes, e voltei para junto de ti: "Vamos dar uma volta? Aproveitar o Alentejo?". Ficaste calada... Abanei-te um pouco, gemeste outra vez e disseste-me "Volta para a cama, temos mais que tempo."

E eu acreditei em ti, e voltei, sempre quis ter tempo com alguém assim do lado, e nunca o tinha querido tanto como agora, como contigo. Enrolei-me nos lençóis, pousaste a cabeça no meu peito e adormeceste mais um pouco... A paz do teu rosto, entre olhos fechados e o rosto tapado pela tua juba enorme era tudo o que eu precisava, agradeci-te, e perdi-me no sonho contigo...


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A ouvir:


"Stay where you are"


Ambulance LTD


álbum: Ambulance LTD


link

Zakopane pt.5

Demoráramos no caminho já cerca de um quarto de hora, perdidos numa conversa composta por vocábulos lentos de duas línguas incompatíveis e imensa gesticulação, falámos de polkas e polskas, interesse meu nascido no Andanças, e mostrei-lhe o meu 1-2-3 na tentativa de aprovação por uma local. Sorriu e deu-me um braço e cantou em largos pulmões enquanto rodopiámos duas ou três vezes ao som da melhor tradição do sul da Polónia.
Os "ch's" e os "obra" e "ova" e cj" eram tão constantes que ao fim de algum tempo tudo o que a minha cabeça retinha era uma sessão contínua e quase inexpressiva deses sons. Ao subirmos o caminho rente à montanha Anja apercebeu-se da minha debilidade, embora eu me esforçasse ao máximo para a esconder e obrigou-me a parar para descansar, fingindo-se, ela própria, cansada tentando assim não me ferir o orgulho.
Disse-me "Halt" e ergueu o punho no gesto militar de paragem, e eu, na brincadeira, marchei até ela arrancando-lhe novamente as ruidosas gargalhadas que tanto me animavam.
Cá de cima via metade do caminho que havia feito desde hoje de manhã, elevei o polegar ao olho cobrindo-o e pensei "Tanto tempo para cobrires um polegar de terreno... a trigonometria é tramada, não é ti jagga?
Levantei-me de novo e fiz-lhe sinal para seguirmos, ela fez-me sinal para que me sentasse novamente, que precisava de mais descanso do que aquele. Acenei que não e dei um pulo, ao que ela acedeu ao meu pedido levantando-se e acelerando o passo o suficiente para me deixar para trás, como se me atirasse à cara que o orgulho tem limites.
A falta de oxigénio ali tão perto do Sol quente, o caminho de gravilha onde as minhas sapatilhas escorregavam de três em três passos, a minha falta de condição física e os excessos dos últimos dias, todos se uniam, personificados naquele granito cinzento à minha esquerda, que se erguia em direcção ao céu azul separando-me deste. do sítio onde estava, o topo da montanha parecia pender das poucas nuvens brancas que agora se viam, como se elas suportassem o peso do vale à nossa direita inteiramente, fazendo-os pairar sobre um qualquer mundo subterrâneo longe desta vista paradisíaca e verde polvilhada de flores e borboletas com os pássaros a entoarem permanentemente cantos em honra da beleza deste lugar.
De súbito, após uma curva na montanha, o caminho começou a descer imenso, em direcção ao que me parecia uma parede rochosa, mas como a minha guia permanecia segura, menos não podia fazer que segui-la. No fim da descida encontrei-me frente a frente com um desfiladeiro gigantesco, com paredes gigantes do mesmo granito que o topo da montanha que acompanháramos até agora. Pensei no quão pequenos ambos pareceríamos vistos lá de cima, de mais de 30 metros de altura, ao abandonar o verde colorido e a deixarmo-nos engolir pela boca das montanhas que nos desafiavam. Os nossos passos começaram a ecoar, e a dor nos meus pés aumentou consideravelmente, o cascalho crescia aqui de dimensão o que tornava bem mais difícil o apoio dos pés para alguém desabituado a estas caminhadas longas. Já Anja movia-se com uma agilidade quase felina como se fizesse aquele caminho diariamente, Ao ver a minha falta de jeito para me apoiar voltou atrás, e segredou-me algo que obviamente não entendi, percebi, no entanto pelo tom grave e pelo olhar dela que aquele lugar teria provavelmente uma qualquer mística especial, Levou o indicador aos lábios desgastados, num desnecessário sinal de silêncio e eu assenti educadamente.
40 passos à frente, quando o caminho sinuoso passou a impedir-me de ver a entrada do desfiladeiro, aproximou-se da parede direita, e ajoelhou-se, ao alcançá-la apercebi-me do pequeno altar ali presente e acompanhei-a bezendo-me frente a uma Maria vestida de branco, sinal do Sagrado naquele sítio nitidamente divino de tão paradisíaco. E ali, parado entendi que aquele sítio onde de repente me dirigi em oração àquela Santa (eu que de religioso não tenho nada) percebi, que mais do que procurar a fé, tinha sido encontrado por ela, não a Fé numa crença divina, mas a fé em mim mesmo, a fé de que qualquer que fosse o caminho que seguia, me encontraria a mim, ao encontrar verdadeiramente os outros.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Zakopane pt.4

Retomei a caminhada tentando motivar-me perdido em canções dos Kinks e ensava no quão fantásticos haviam sido os meus tempos com o Simon nas 3 semanas que ele passara comigo em Viena.
"Janado do caraças.", ria-me eu, recordando aqueles olhos minúsculos e o cabelo sempre colado à cabeça, a voz monótona sem nunca se exaltar nem sequer soltar uma gargalhada, rindo-se sempre baixinho e dizendo "E apesar de tudo invejo-vos latinos por conseguirem ganhar as pessoas tão facilmente.". Pessoalmente nunca percebera quem tinha ganho quem, se o Simon a mim, se eu a ele. Sei apenas que quando o conheci me sentira intimidado pela impessoalidade germânica dele, enquanto ele não gostava nada dos meus modos mais calorosos e abertos. Mas, de repente, sem nada o fazer prever, à bendita e clara luz dumas
Wieselburgers e dum dj set do senhor Peter Kruder entendemo-nos perfeitamente e ganháramos uma cumplicidade inacreditável.
Agora, no meio das florestas do Sul da Polónia, e longe do conforto industrial e negro do Flex, o realismo começava a entrar-me pelos poros abertos com o suor e a invadir-me o espírito, "O búlgaro tinha razão pá. O caraças do búlgaro tinha razão, estás aqui no meio do nada, sozinho à procura de algo quase impossível de encontrar", e, logo a seguir como que expelindo-o o cinzentismo: "Quase impossível!! QUASE! QUASE! QUASE! QUASE!" chegando ao ponto em que o pensamento passara da voz alta e daí a berro, acompanhado de um punho erguido estúpido isolado mas demonstrador do quão desesperado estava e do quanto precisava de me convencer de que não estava a andar para nada, por mais perdido que estivesse.
E eis que nesse momento em que estava sobre a corda bamba, num vai não vai de esperança, um milagre aconteceu, de repente um grito em polaco chegou-me aos ouvidos, corri para fora do arvoredo, feito tolo em direcção ao vale florido, onde seria mais fácil ver e ser visto. Com a pressa tropecei numa raíz, voando dois metros e espalhando-me ao comprido na relva, levantando em meu redor uma nuvem gigantesca de pólen que subiu no ar, cumprimentando-me como Deus criador das futuras flores deste vale, e pensei no quão aleatória era a criação. Como se o Acaso esperasse por mim para iniciar o processo de fecundação neste vale, levando agora o amarelo início de vida na brisa.
As gargalhadas gigantescas estalaram ruidosas mas doces e profundamente humanas, desviando-me a atenção da minha reflexão quiçá parva. Olhei-a enquanto me aproximava, devia ter uns 50/60 anos, envolta na sua saia verde escura e a camisola negra. grande, larga, cabelo contrastando entre o negro e o grisalho, olhos daquele azul inexpressivo de tão claro. Ao ver-me aproximar o riso diminuiu, mas o sorriso manteve-se, demonstrando serenidade, calma, e simpatia perante o meu aspecto deslavado e da minha cara agora amarela do pólen.
"Do you speak english?" sonhei eu...

"Niet" disse num sorriso enorme de quem me entendera como turista perdido, (e de resto o que era eu?).
"Français?Deutsch?Español?Português?"
"Niet, niet" e o sorriso cresceu, "Russky?"
"Niet" disse eu agora quase rindo.
Levantou oito dedos e disse algumas palavras perdidas novamente no meio das suas gargalhadas sonoras e boas, como quem diz: "8 línguas diferentes, 8 meu Deus, 8 línguas e não há forma de nos entendermos."
Acenei com a cabeça e encolhi os ombros. Ficámos parados a olhar um para o outro por uns segundos, até que me lembrei que tinha papel na mochila, saquei da caneta (nova gargalhada quando viu as garrafas, ao que lhe ofereci e me recusou com um sorriso sincero).
Escrevi "João" e apontei para mim, feito parvo arranhei o pouco alemão que sabia, como se este lhe fosse mais próximo... "Ich bin João."
"Ju-a-u?"
"Jo-ão, João" disse lentamente.
"Ju-a-um?" perguntou.
"Ja ja, und dir?" perguntei apontando para ela.
"Anja."
"Anja..." repeti, unindo as palmas e curvando-me numa vénia quase teatral.
Perguntou-me algo que não compreendi, mas que deduzi que fosse a minha origem:
"Portugal" disse com sotaque inglês, a sua cara foi de estranheza, "Por-tu-gal" repeti lembrando-me a diferença do "tch" e do "t".
"Ahh Portugal..." parou a pensar uns segundos "Simon? Simon freunde?"
"Ja Ja JA JA SIMON FREUNDE JA... UIIIIIIIIIIII" Saltei eu de alegria, "Simon sehr gut freunde uh ja, genau genau, um amigalhaço sim senhora" explodi eu abraçando-a, ao que ela respondia com mais gargalhadas, achando-me maluco. Recuei, vi-a sorrir-me e fazer-me sinal para que a seguisse, pedido a que atendi prontamente, correndo em torno dela e gritando "Obrigado An
ja, Obrigado é merci" e ria-me feito tolo, fazendo-a rir-se da minha tolice, percebendo a inocência nela contida...

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A ouvir:

"Alive"

Sa Ding Ding

álbum: Alive

link