quarta-feira, 22 de julho de 2009

100%

O rádio do meu carro anda sem código há sensivelmente 7 meses.


A primeira pergunta que me fazem quando entram no meu carro é sempre "Como é que alguém que adora tanto música consegue viver sem o rádio a funcionar?". Duas explicações sumárias, a música está na minha cabeça, não preciso de um rádio para a ouvir, e, além disso sou muito de ondas quero sempre ouvir aquela música em particular e para isso ando sempre com a mão no leitor de mp3, e a atenção também. Poupo em acidentes, ganho em concentração e, obrigo-me a um exercício mental que me leva a pensar muito mais a música, a ganhar noção do som de cada instrumento, de cada sílaba, de cada cadência, cada ritmo...


Estranhamente passei a viver a música muito mais desde que fiquei sem rádio.... Não que não a vivesse antes, mas... é uma experienciação diferente que me leva a tomar o processo criativo muito mais em conta.


Reparei também que desde que perdi o rádio voltei ao punk e ao rock alternativo, passo muito tempo a ouvir Sonic Youth, e Velvet Underground e Crass e Ramones e Mars Volta e outros que tal. O barulho vive-me no cérebro de uma forma ridiculamente cómoda.


Na verdade estou a mentir, por muito interessante que possa ser imaginar a música em vez de a ouvir, poderia muito bem arranjar o código e manter o rádio desligado... Na verdade sou preguiçoso, e, essencialmente por isso não tratei ainda do assunto.


Além disso, o rádio no carro permitir-me-ia voltar a ouvir música que em casa não tenho por norma ouvir, e sinceramente o meu mundo andou muito escuro para me atrever a escutar Hendrix ou Zeppelin, quanto mais de la soul ou tribe called quest.


Estou bastante passivo quanto à situação do meu rádio, o que é também um pouco um reflexo da minha atitude quanto à minha vida neste momento... Não vou mais esforçar-me para que as coisas aconteçam,.. Para quê? Acaba tudo sempre a não depender de mim, porque raio é que hei-de forçar semelhante afronta à minha condição de Deus do meu próprio

mundo?


O meu carro, o "ninho de água" perto de S. Bento e o antigo farol da Aguda às 2 da manhã destas noites quentes de Verão, são efectivamente o único espaço neste mundo que considero efectivamente meu... E nestes três pontos eu sou rei e senhor, e quero sentir os efeitos da minha vontade, ainda que a minha vontade seja apenas a de manter o aspecto apático de tudo.


Sou Deus de mim, e Deus das minhas pequenas coisas...


Tão cedo não voltarei a beijar ninguém no meu carro enquanto ouço Sonic Youth, muito menos Moldy Peaches no rádio...


E de certo modo fico até contente por isso...



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A ouvir:


"100%"


Sonic Youth


Álbum: Dirty


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