quarta-feira, 1 de julho de 2009

story...

Este merece uma introdução... Este texto existe há, sensivelmente, ano e meio, e foi fruto de uma noite que supostamente seria de estudo e que por falta de apontamentos acabou de ser uma noite de descoberta criativa, foi naquele momento, com a Kristina (uma das minhas melhores amigas desde essa noite, apesar da distância e da estranheza do idioma e das saudades e diferenças e semelhanças (que por vezes separam mais que as diferenças)) a olhar-me curiosa enquanto eu me atirava com uma fome imensa à torrente das palavras que jorravam pela caneta fora, que cheguei à conclusão que às tantas não me era de todo impossível escrever prosa.
Naquele Starbucks, perto de Karlsplatz na magnífica Viena de fim de Janeiro, às 22:37 da noite, fez-se um clique cá dentro, que me revelou que há lutos que não passam, que apenas se refastelam cá dentro e que me cabia a mim preencher o espaço em sua volta com novas memórias para que eles não fossem tudo o que tinha...
Quando acabei de escrever o texto, pousei a caneta e li-o em voz alta, traduzido para inglês, obviamente, à Kris cujos olhos se humedeceram e que se limitou a sorrir, sem mais um comentário, sem uma palavra, nada... passaram-se quase 2 horas, passaram duas linhas de metro, passaram os ruídos feios e estranho e frios do alemão pelos nossos ouvidos inúmeras vezes, até que ela me olhou nos olhos e dissesse "It's marvellous, I can't find another word. I don't know how you did it, but the way she feels, is the way I felt when he broke up with me... pure and simple."
Este foi o primeiro texto que eu escrevi em que senti directamente o impacto dele, às tantas porque pela primeira vez o mostrei e observei a reacção do leitor no exacto momento em que a obra se tornou arte, ou às tantas porque foi efectivamente a pequena porção do Grande Livro da Arte que me foi possível experienciar e retransmitir, e nunca mais lhe terei acesso... Não sei... Mas se um só texto meu, tiver o efeito que este teve na Kristina em algum de vocês, sentirei que valeu a pena toda a tentativa menor de lá chegar.


Após tão longa introdução, aqui segue o dito cujo:


"Os olhos dela cuspiam lágrimas ao ritmo dos batimentos da tarola, não porque a situação fosse particularmente triste... essencialmente porque a fez sentir-se menos ele. Só. Finalmente só, como se de um poema de António Nobre se tratasse.
Saiu para a rua, o vento frio pediu-lhe o casaco, mas ela não queria voltar àquele bar. Não mais. Nunca mais. Correu para o primeiro táxi que encontrou e atirou um qualquer endereço para o meio do silêncio. Não lhe importava o destino desde que fosse para longe dali.
O motorista tentou fazer conversa de ocasião, mas de tão embrenhada em pena própria recusou-se inconscientemente a ouvi-lo. Estúpido instinto mesquinho que não nos permite perdermo-nos nas pequenas coisas quando é isso precisamente que nos faz falta.
O carro imobilizou-se. Preparava-se para sair quando reparou que era apenas um sinal vermelho. Mudou de ideias: "Para a autoestrada." "Como?" "Para a autoestrada, leve-me para..." Outro sítio, outro mundo, as mesmas ideias na cabeça como num bloqueio mental. Uma espiral infinita e caleidoscópica que nos cativa no seu psicadelismo desesperado e caótico. Mentalmente drogada, a precisar da próxima dose de desespero. Porque raio nos sentimos tão bem a sentirmo-nos mal?
Surpreendido o taxista acedeu ao pedido sem mais perguntas. Anos a lidar futilmente com tanta gente ensinaram-no a classificar e dividir, e esta rapariga inseria-se com absoluta e fria certeza nos não questionáveis. Pessoas taciturnas e estranhas que não ouvem os seus próprios gritos de ajuda. Levou-a.
Ainda não ciente do que tinha acabado de fazer abriu a janela. O vento no seu rosto molhado fê-la sentir-se bem momentaneamente. Livre. Viva. Numa fracção de segundos decidiu que não iria sentir-se escura e triste. Aquele era um novo começo, a sua vida mudava naquele ponto e ela adaptar-se-ia a essa brilhante e necessária mudança. Ele não merecia a sua dor, era egoísta demais. Porque não haveria ela de o ser também? NÃO. Ela não era assim e sabia-o. Amanhã estaria de novo a chorar enquanto a imagem dele se cravaria ainda mais na sua mente.
"Mude o rádio" "Claro...Que quer ouvir?" "Jazz... quero jazz." "Certo. Dê-me dois segundos.". Os seus dedos escorregaram sobre o painel até ao rádio desligado. Puxou para o início do cd. À entrada do piano arrepiou-se quando a ouviu dizer "Sim, McCoy Tyner...deixe aí." 20 segundos passados e os divinos e roucos roncos apresentaram-lhe Coltrane.
Deixou-se perder na música. O desespero cantava em uníssono com o saxofone, e, neste momento era tudo o que ela precisava."

conforto

"She's cold blooded,

love how we're melting the Ice

She's like the sunshine of my life

All I see is an hot thing

you're my hot thing

and you're my hot thing

and you're my hot thing"


Mordes o lábio, eu rio-me, que reacção esperavas? Adoro quando te tentas fazer passar por mais adulta do que efectivamente és... Adoro o espírito que visto quando estou contigo, estando morto para te agarrar e te ser e te dar o que ambos queremos, e no entanto faço de conta que me é completamente indiferente se o fazemos ou não...

Tu sabes que não é... Eu sei que não é... Não é apenas isso que interessa? Mas é no mínimo engraçado que tantos meses depois ainda passemos por isto... É tão porreiro que ainda tenha de te comprar com um bom tinto e uma

caminhada pela praia... Adoro isto.


"Good love you're a sexy thing

And all I'm sayin' is you got something I like"


É extraordinário que consiga estar contigo sem me sentir a invadir o teu espaço, é impressionante que me ponhas à vontade o suficiente para que isto aconteça e haja intimidade e proximidade e que ambos estejamos tão confortáveis...


Ahhhhhhhhhh, a tua pele cheira bem... Passo os dedos pela tua figura (perfeita? para mim é, sem dúvida.) e amarro-te num beijo enquanto te inclino sobre a cama...

...

...

...

"Yo I love your contry ass

I love your city sass

I love how you normal ways

you catch on pretty fast..."

...

...

...

Suado, o teu corpo está ao meu lado, abandonaste-me pelo teu mundo de sonho com aquele sorriso cúmplice de quem acusa que o que viveu antes de dormir é tão bom como o que vive no sono.

É tão bom ficar a observar-te... Ver o vai vem dos lençóis sincronizados com a tua respiração calma, acariciar-te os cabelos encaracolados durante horas (será que sonhas comigo?), ver a forma delicada como o teu pescoço se integra no teu tronco, apetece-me beijar-to, mas prefiro não te acordar, sentir como me agarras apesar de estares a dormir, como se o eterno fosse esta noite, e esta noite pudesse existir para todo o sempre.


Os primeiros raios de Sol entram pela janela e acordam-me, e tu ainda cá estás, e isso faz-me sentir tão bem, espero que a luz te acorde também, e vejo como sorris quando me vês do teu lado...


"Good love you're a sexy thing

And all I'm sayin' is you got something I like


Glad that you like it

Glad that you like it

Glad that you like it"


Rodo por cima de ti, abro a porta e desço as escadas, preparo-te o pequeno almoço e volto a subir... O quarto cheira a sexo, tu expiras bem mais do que isso...


"Whatever happened to Shenice, baby I love your smile?

I might be falling in love, should I let her know?

A friend told me if I love her I should let her go"


Comes, sorris, ligo o Mac, ponho o iTunes a passar Talib, beijamo-nos e dizes-me que tens de ir andando.



Fico sozinho na minha cama para um, com um sorriso tão nosso por me lembrar que nem me disseste que preferias uma cama de casal...


"All I see is an hot thing

And you're my hot thing

And you're my hot thing"



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A ouvir:

"Hot Thing"

Talib Kwely

álbum: Eardrum

vídeo