Saiu para a rua, o vento frio pediu-lhe o casaco, mas ela não queria voltar àquele bar. Não mais. Nunca mais. Correu para o primeiro táxi que encontrou e atirou um qualquer endereço para o meio do silêncio. Não lhe importava o destino desde que fosse para longe dali.
O motorista tentou fazer conversa de ocasião, mas de tão embrenhada em pena própria recusou-se inconscientemente a ouvi-lo. Estúpido instinto mesquinho que não nos permite perdermo-nos nas pequenas coisas quando é isso precisamente que nos faz falta.
O carro imobilizou-se. Preparava-se para sair quando reparou que era apenas um sinal vermelho. Mudou de ideias: "Para a autoestrada." "Como?" "Para a autoestrada, leve-me para..." Outro sítio, outro mundo, as mesmas ideias na cabeça como num bloqueio mental. Uma espiral infinita e caleidoscópica que nos cativa no seu psicadelismo desesperado e caótico. Mentalmente drogada, a precisar da próxima dose de desespero. Porque raio nos sentimos tão bem a sentirmo-nos mal?
Surpreendido o taxista acedeu ao pedido sem mais perguntas. Anos a lidar futilmente com tanta gente ensinaram-no a classificar e dividir, e esta rapariga inseria-se com absoluta e fria certeza nos não questionáveis. Pessoas taciturnas e estranhas que não ouvem os seus próprios gritos de ajuda. Levou-a.
Ainda não ciente do que tinha acabado de fazer abriu a janela. O vento no seu rosto molhado fê-la sentir-se bem momentaneamente. Livre. Viva. Numa fracção de segundos decidiu que não iria sentir-se escura e triste. Aquele era um novo começo, a sua vida mudava naquele ponto e ela adaptar-se-ia a essa brilhante e necessária mudança. Ele não merecia a sua dor, era egoísta demais. Porque não haveria ela de o ser também? NÃO. Ela não era assim e sabia-o. Amanhã estaria de novo a chorar enquanto a imagem dele se cravaria ainda mais na sua mente.
"Mude o rádio" "Claro...Que quer ouvir?" "Jazz... quero jazz." "Certo. Dê-me dois segundos.". Os seus dedos escorregaram sobre o painel até ao rádio desligado. Puxou para o início do cd. À entrada do piano arrepiou-se quando a ouviu dizer "Sim, McCoy Tyner...deixe aí." 20 segundos passados e os divinos e roucos roncos apresentaram-lhe Coltrane.
Deixou-se perder na música. O desespero cantava em uníssono com o saxofone, e, neste momento era tudo o que ela precisava."