terça-feira, 14 de julho de 2009

Viagens

3 da manhã.


3 da manhã!?


3 da manhã...


E no cheiro do mar que me invade o quarto janela adentro reside uma capacidade imensa de uma e outra vez me fazer sentir a melancolia destas noites de Verão, e penso que o dia de hoje apesar de tudo foi bom...


Marrocos...


Marrocos...


Marrocos...


Ainda estou a imaginar a desilusão na cara deles quando o militar olhou para aquele passaporte e rosnou as fatídicas palavras


"Não é válido..."


E ao olhar para a cara de desapontamento deles olhei à volta, naquele hangar onde o asfalto quente me fazia semicerrar os olhos estava o avião que nos deveria transportar até Ksar el Kebir, impondo o seu verde majestoso como se troçasse de nós:


"Aventura hein? Mandarem-se à maluca? Para a próxima metam realidade nisso que já não deixam os passaportes caducarem"


Sorri-lhe de volta o mais cínico que podia. Olhei em volta e a rapariga olhou para mim com uma vergonha enorme, como quem deixa um quase desconhecido mal depois deste confiar nele... O meu sorriso passou de cínico a divertido e tentei brincar com a situação:


"Para a semana à mesma hora?"


Só ela se riu...


...

...


"E ainda vais demorar 3 horas a chegar lá acima... desculpa"

"Tenho o moleskine comigo, trago sempre o moleskine comigo..."

"Mas tu não gostas de escrever no moleskine. Eu sei disso, vês?"


Esteve comigo duas vezes na vida... Uma na fila de espera por um avião rumo à majestosa Viena de Áustria, que era para ela e para amiga naquela noite um ponto de passagem, e a outra no dia a seguir (ou dois dias depois?) quando ainda ressacado e depois de a ter feito esperar-me uns 25 minutos por causa da viagem relâmpago (tentei eu que fosse... ) de Nussdorferstrasse até Stephensplatz dei o meu melhor como guia turístico improvisado para lhes mostrar os monumentos da cidade em 2 ou 3 horas.

E, apesar dessas "apenas" duas vezes, o milagre da comunicação informática que mantivéramos depois fazia-a saber bem mais de mim do que muita gente com quem partilho o dia a dia...


"Mas tu não gostas de escrever no moleskine. Eu sei disso, vês?"


E tem razão...sempre preferi folhas soltas, um caderno envolve demasiada responsabilidade, como se cada frase tivesse que sair perfeita, como se no caso de algum dia o perder, alguém que nele tropece ao ler uma página tenha de se sentir imediatamente compelido a ler tudo de uma vez...

Tenho imensos moleskines, mas ainda estou longe de ser suficientemente bom para escrever neles...


...

...


E não viajei para Marrocos... Como se a premonição de meses antes estivesse certa apesar de me ter esforçado ao máximo para que errasse... A verdade é que hoje quando saí de casa de manhã sabia que não iria embarcar naquele avião... Algo dentro de mim me dizia que não era bem possível, que por qualquer arte mágica o meu sonho de voltar a pisar África fosse acabar numa viagem a Lisboa e de volta. Nunca me passara pela cabeça que fosse por causa de um maldito passaporte fora do prazo... Estragado como um iogurte, como se a identidade que apregoava nas suas páginas deixasse de fazer sentido para a burocracia, como se de repente o ser que representava perdesse o significado...


Perdi-me a pensar em metáforas imensas entre aquele passaporte que podia ter significado tanto para nós os cinco (dos quais três nem conhecia), e o meu moleskine em branco no meu bolso...


"Quando chegar a casa escrevo isto... Este moleskine fica guardado para quando for a Marrocos. Vingá-lo-ei por esta viagem de hoje." ri-me para mim.


...

...


3 da manhã.


3 da manhã?!


3 da manhã...


E a viagem a Marrocos era no fundo só uma forma de me dizer que podia viver os NOSSOS sonhos de uma forma só MINHA. O cheiro do mar que me invade o quarto janela adentro traz-me recordações daquela noite em que agarradinho a ti encostado a uma rocha vira o Sol a nascer nas nossas costas a reflectir-se no mar, uma luzinha nova por cada onda, uma luz maior a cada segundo...


Irónico não?


"Como raios é que era a metáfora do moleskine e do passaporte? Raios... não me lembro... odeio moleskines."

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A ouvir:


qualquer cover dos Crass por Jeffrey Lewis


(Estou muito preguiçoso para perceber qual é que me fez começar a escrever este texto, perdoem-me :) )


Deixo-vos uns links para vídeos das covers do homem... Não deixem de as ouvir... são fenomenais...


End Result (vídeo)

Systematick Death (vídeo)

I ain't thick (ao vivo)

Punk is dead (ao vivo com filler no início se tiverem pressa avancem até ao minuto e dez)