terça-feira, 8 de setembro de 2009

Zakopane pt.5

Demoráramos no caminho já cerca de um quarto de hora, perdidos numa conversa composta por vocábulos lentos de duas línguas incompatíveis e imensa gesticulação, falámos de polkas e polskas, interesse meu nascido no Andanças, e mostrei-lhe o meu 1-2-3 na tentativa de aprovação por uma local. Sorriu e deu-me um braço e cantou em largos pulmões enquanto rodopiámos duas ou três vezes ao som da melhor tradição do sul da Polónia.
Os "ch's" e os "obra" e "ova" e cj" eram tão constantes que ao fim de algum tempo tudo o que a minha cabeça retinha era uma sessão contínua e quase inexpressiva deses sons. Ao subirmos o caminho rente à montanha Anja apercebeu-se da minha debilidade, embora eu me esforçasse ao máximo para a esconder e obrigou-me a parar para descansar, fingindo-se, ela própria, cansada tentando assim não me ferir o orgulho.
Disse-me "Halt" e ergueu o punho no gesto militar de paragem, e eu, na brincadeira, marchei até ela arrancando-lhe novamente as ruidosas gargalhadas que tanto me animavam.
Cá de cima via metade do caminho que havia feito desde hoje de manhã, elevei o polegar ao olho cobrindo-o e pensei "Tanto tempo para cobrires um polegar de terreno... a trigonometria é tramada, não é ti jagga?
Levantei-me de novo e fiz-lhe sinal para seguirmos, ela fez-me sinal para que me sentasse novamente, que precisava de mais descanso do que aquele. Acenei que não e dei um pulo, ao que ela acedeu ao meu pedido levantando-se e acelerando o passo o suficiente para me deixar para trás, como se me atirasse à cara que o orgulho tem limites.
A falta de oxigénio ali tão perto do Sol quente, o caminho de gravilha onde as minhas sapatilhas escorregavam de três em três passos, a minha falta de condição física e os excessos dos últimos dias, todos se uniam, personificados naquele granito cinzento à minha esquerda, que se erguia em direcção ao céu azul separando-me deste. do sítio onde estava, o topo da montanha parecia pender das poucas nuvens brancas que agora se viam, como se elas suportassem o peso do vale à nossa direita inteiramente, fazendo-os pairar sobre um qualquer mundo subterrâneo longe desta vista paradisíaca e verde polvilhada de flores e borboletas com os pássaros a entoarem permanentemente cantos em honra da beleza deste lugar.
De súbito, após uma curva na montanha, o caminho começou a descer imenso, em direcção ao que me parecia uma parede rochosa, mas como a minha guia permanecia segura, menos não podia fazer que segui-la. No fim da descida encontrei-me frente a frente com um desfiladeiro gigantesco, com paredes gigantes do mesmo granito que o topo da montanha que acompanháramos até agora. Pensei no quão pequenos ambos pareceríamos vistos lá de cima, de mais de 30 metros de altura, ao abandonar o verde colorido e a deixarmo-nos engolir pela boca das montanhas que nos desafiavam. Os nossos passos começaram a ecoar, e a dor nos meus pés aumentou consideravelmente, o cascalho crescia aqui de dimensão o que tornava bem mais difícil o apoio dos pés para alguém desabituado a estas caminhadas longas. Já Anja movia-se com uma agilidade quase felina como se fizesse aquele caminho diariamente, Ao ver a minha falta de jeito para me apoiar voltou atrás, e segredou-me algo que obviamente não entendi, percebi, no entanto pelo tom grave e pelo olhar dela que aquele lugar teria provavelmente uma qualquer mística especial, Levou o indicador aos lábios desgastados, num desnecessário sinal de silêncio e eu assenti educadamente.
40 passos à frente, quando o caminho sinuoso passou a impedir-me de ver a entrada do desfiladeiro, aproximou-se da parede direita, e ajoelhou-se, ao alcançá-la apercebi-me do pequeno altar ali presente e acompanhei-a bezendo-me frente a uma Maria vestida de branco, sinal do Sagrado naquele sítio nitidamente divino de tão paradisíaco. E ali, parado entendi que aquele sítio onde de repente me dirigi em oração àquela Santa (eu que de religioso não tenho nada) percebi, que mais do que procurar a fé, tinha sido encontrado por ela, não a Fé numa crença divina, mas a fé em mim mesmo, a fé de que qualquer que fosse o caminho que seguia, me encontraria a mim, ao encontrar verdadeiramente os outros.

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